domingo, 28 de outubro de 2012

Frei Luís de Sousa




Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett

Romantismo
Origens do movimento romântico em Portugal

                Em Portugal, o Romantismo está diretamente ligado às lutas liberais, porque os escritores mais representativos deste movimento estético – Almeida Garrett e Alexandre Herculano – foram combatentes liberais. Qualquer destes escritores foi exilado político, tendo vivido em França e Inglaterra. Ao regressarem, trouxeram consigo os ideais deste novo movimento estético-literário que introduziram em Portugal.
                Assim, é a publicação dos poemas Camões e Dona Branca de Garrett que assinalam o início do Romantismo em Portugal.

Características do Romantismo

1.       O individualismo – O “eu” é o valor máximo para os românticos. Por isso, o romântico afirma o culto da personalidade (egocentrismo), da expressão espontânea de sentimentos, do confessionalismo e a subjetividade.
2.       O idealismo – O romântico aspira ao infinito e a um ideal que nunca é atingido. Por isso valoriza o devaneio e o sonho.
3.       A inadaptação social – Mantém uma atitude de constante desprezo e rebeldia face à realidade e às normas estabelecidas, considerando-se inadaptado e vítima do destino.
4.       Privilegia a liberdade como um valor máximo – Contrariamente ao classicismo que cultiva a razão, o romântico cultiva o sentimento e a liberdade.
5.       A atração pela melancolia, pela solidão e a morte como solução final para todos os males.
6.       A sacralização do amor – O amor é um sentimento vivido de forma absoluta, exagerada e contraditória, precisamente por ser um ideal inatingível. A mulher ou é o anjo, que leva à salvação, ou é o demónio, que conduz à perdição.
7.       O “mal du siècle” ou o “spleen” – É o pessimismo, o cansaço doentio e melancólico, a solidão, uma espécie de desespero de viver, resultante da posição idealista que mantém perante a vida. Por isso, o romântico é sempre um ser incompreendido que cultiva o sofrimento e a solidão.
8.       O gosto pela natureza noturna – Para os românticos, a natureza é a projeção do seu estado de alma, em geral tumultuoso e depressivo. Assim, esta é representada de forma invernosa, sombria, agreste, solitária e melancólica (“locus horrendus”), contrariamente ao “locus amoenus” dos clássicos, que é uma natureza luminosa, harmoniosa e primaveril. Esta natureza noturna traduz a atração que o romântico tem pela própria morte.
9.       O amor a tudo o que é popular e nacional: é no povo que reside a alma nacional. Daí o gosto pela Idade Média, pelas lendas, pelas tradições, pelo folclore, por tudo o que é nacional.
10.   A linguagem é declamativa e teatral, embora o vocabulário seja muitas vezes corrente e familiar.

Frei Luís de Sousa
Drama romântico com lances de Tragédia Clássica

Características do teatro clássico

                Principais características da Tragédia Clássica:

1.       Na tragédia clássica, o Homem é um mero joguete do Destino. Este é uma força superior que age de forma inexorável sobre o protagonista, mesmo que ele não tenha qualquer culpa.
2.       Tem 5 actos.
3.       Tem poucas personagens, nobres de sentimentos ou de condição social.
4.       A ação dispõe-se sempre em gradação crescente, terminando num clímax.
5.       Contém sempre vários elementos essenciais – o desafio, o sofrimento, o combate, o Destino, a peripécia, o reconhecimento, a catástrofe e a catarse.
6.       Existe um Coro que tem como função comentar e anunciar o desenrolar dos acontecimentos.
7.       A tragédia clássica obedece à lei das três unidades – unidade de espaço (não há em geral mudança de cenário e os acontecimentos passam-se todos no mesmo lugar), unidade de tempo (todos os acontecimentos têm de se desenrolar nos espaço de 24 horas, mostrando que a ação do Destino é imperativa e fulminante) e unidade de ação (exige que o espectador se centre apenas no problema central, sem desvio para ações secundárias).
8.       A linguagem é em verso

Elementos essenciais da tragédia

A Hybris
O desafio
Consiste num desafio que o protagonista realiza, após um momento de crise. O desafio pode ser contra a lei dos deuses, da cidade, as leis e os direitos da família, ou, finalmente, as leis da natureza.
O Pathos
O sofrimento
A sua decisão, o seu desafio, a sua revolta, têm como consequência o sofrimento, que ele aceita e que lhe é imposto pelo Destino e executado pelas Parcas. O sofrimento será progressivo.
O Agón
O combate
É o combate ou a luta que nasce do desafio e se desenrola na oposição de homens contra deuses, de homens contra homens ou de homens contra ideias. Pode ser físico, psicológico, individual ou coletivo. O conflito é a alma da tragédia.
A Anankê
O Destino
É o Destino, sombria potestade a que nem aos deuses é permitido desobedecer. É, pois, cruel, implacável e inexorável.
A Peripéteia
A peripécia
É a súbita mutação , um acontecimento quase sempre imprevisto que altera completamente o rumo da ação, invertendo a marcha dos acontecimentos e precipitando o desenlace.
A Anagnórisis
O reconhecimento
É o aparecimento de um lado novo, quase sempre a identificação de uma personagem oculta.
A Katastophé
A catástrofe
Desenlace fatal onde se consuma a destruição das personagens. A catástrofe deve vir indiciada desde o início, dado que é a conclusão lógica da luta entre a Hybris e a Anankê, luta que é crescente (clímax) e atinge o ponto culminante (acmê) na agnórise.
A Katársis
A catarse
É o efeito completo da representação trágica que visa purificar os espectadores de paixões semelhantes às dos protagonistas, pelo terror e pela piedade.

Características do drama romântico

1.       Foi criado por Victor Hugo, o grande mestre do Romantismo francês.
2.       O Romantismo valoriza a ação do Homem, por isso o herói já não é joguete do destino, mas das próprias paixões humanas.
3.       O drama romântico pretende fazer uma maior aproximação da realidade. Assim, Victor Hugo propõe uma aproximação entre o sublime e o grotesco, conforme a vida real. Tem também preferência por temas nacionais.
4.       A linguagem deverá corresponder à realidade e por isso é em prosa.
5.       A personagem imaginária constituída pelo coro desaparece.

Génese de Frei Luís de Sousa

1.       Manuel de Sousa Coutinho, nascido em 1556, era fidalgo de linhagem e levou uma vida acidentada por terras de África e de Ásia. Consta que lançara fogo ao seu palácio de Almada, em 1599, por divergências políticas ou pessoais com os governadores do Reino em nome dos Filipes. Casara com D. Madalena de Vilhena, anteriormente mulher de D. João de Portugal, que morreu em Alcácer Quibir, em 4 de agosto de 1578. O seu biógrafo Frei António da Encarnação regista a tradição segundo a qual a entrada de ambos os cônjuges na ordem dominicana, em 1612, se deveria ao regresso inesperado de D. João de Portugal.
2.       Na Memória ao Conservatório Real, Garrett afirma conhecer bem a tradição literária sobre Frei Luís de Sousa. Ora as principais fontes que tinha lido eram a “Memória do Sr. Bispo de Viseu, D. Francisco Alexandre Lobo”, e a “romanesca mas sincera narrativa do padre Frei António da Encarnação”. Afirma Garrett na referida Memória que “discorrendo um verão pela deliciosa beira-mar da província do Minho, fui dar com um teatro ambulante de atores castelhanos fazendo suas récitas numa tenda de lona no areal da Póvoa do Varzim. (…) Fomos à noite ao teatro: davam a comédia famosa não sei de quem, mas o assunto era este mesmo de Frei Luís de Sousa.” Esta representação teve lugar na Póvoa em 1818.



Estrutura externa e interna

Atos
Estrutura externa
Estrutura interna
Ato I
Cenas I-IV

Cenas V-VIII

Cenas IX-XII
Informações sobre o passado das personagens
Decisão de incendiar o palácio
Ação: incêndio do palácio
Ato II
Cenas I-III

Cenas Iv-VIII


Cenas IX-XV
Informações sobre o que se passou depois do incêndio
Preparação da ação: ida de Manuel de Sousa Coutinho a Lisboa
Ação: chegada do romeiro
Ato III
Cena I

Cenas II-IX
Cenas X-XII
Informações sobre a solução adotada
Preparação do desenlace
Desenlace


Elementos essenciais da ação dramática

Ação

                Toda a ação se passa nos finais do séc. XVI, após o desaparecimento de D. Sebastião na Batalha de Alcácer-Quibir. Com ele parte D. João de Portugal, personagem vital que desaparece também desencadeando toda a ação dramática em Frei Luís de Sousa. Todos estes acontecimentos decorrem sob domínio Filipino.
                Após o desaparecimento de D. João de Portugal, D. Madalena manda-o procurar durante sete anos mas em vão. Casa então com D. Manuel de Sousa, nobre cavaleiro, de quem tem uma filha de 14 anos. D. Madalena vive uma vida infeliz, cheia de angústia e de tranquilidade, no receio de que o seu primeiro marido esteja vivo e acabe por voltar. Tal facto acarretaria para Madalena uma situação de bigamia e a ilegitimidade de Maria, sua filha. Esta é tuberculosa e vive, em silêncio, o drama da sua mãe que será o seu. Efetivamente D. João de Portugal acaba por regressar, acarretando o desenlace trágico de toda a ação.






Personagens

D. Madalena de Vilhena

·         Nobre: família e sangue dos Vilhenas. Sentimental: deixa-se arrastar pelos sentimentos muito mais do que pela razão
·         Torturada pelo remorso do passado: não chega a viver o presente por impossibilidade de abandonar o passado
·         Redimida pela purificação no convento: saída romântica para solução de conflitos
·         Modelo da mulher romântica: para os românticos, a mulher ou é anjo ou é demónio
·         Personagem modelada: profundidade psicológica evidente; capacidade de gerir conflitos
·         Marcada pelo destino: amor fatal
·         Apesar de ser uma heroína romântica, D. Madalena não luta por nenhuma ordem de valores superiores, nem por nenhum idealismo generoso, pois nela não se evidencia de forma particular a luta por qualquer ideal. O que nela transparece acima de tudo é a sua natureza feminina, o seu amor de mulher a que prioritariamente se entrega, pois há nela um conceito ou um desejo de felicidade que assenta numa vida objetiva, concreta à dimensão humana
De qualquer modo, D. Madalena é uma personagem que se impõe à compreensão, à estima e à simpatia do leitor, talvez pela espontaneidade com que vive a sua vida sentimental e moral. Embora procure no segundo casamento uma proteção para a sua instabilidade, mantém sempre uma integridade moral em relação à sua própria condição e até uma dignidade de classe que naturalmente a impõe
·         Marcas psicológicas: angústia, remorso, inquietação, insegurança, amor, medo e horror à solidão; é uma personagem tendencialmente modelada porque apresenta bastante densidade psicológica

Manuel de Sousa Coutinho

·         Nobre: cavaleiro de Malta (só os nobres é que ingressavam nessa ordem religiosa)
·         Racional: deixa-se conduzir pela razão no que contrasta com a sua mulher
·         Bom marido e pai terno
·         Corajoso, audaz e decidido
·         Marcado pelo destino
·         Encarna o mito romântico: refúgio no convento, que lhe proporciona o isolamento necessário na expiação do seu pecado.
·         Até à vinda do romeiro, representa o herói clássico racional, equilibrado e sereno. A razão domina os sentimentos pela ação da vontade
·         Tem como ideal de vida o culto pela honra, pelo dever, pela nobreza de ações (daí o seu nacionalismo e o incêndio do palácio)
·         Porém, no início do ato III, após o aparecimento do romeiro, Manuel de Sousa perde a serenidade e o equilíbrio clássico que sempre teve e adquire características românticas. A razão deixa de lhe disciplinar os seus sentimentos, e estes manifestam-se com descontrolada violência. Exemplos:
o   Revela sentimentos contraditórios (deseja simultaneamente a morte e a vida da filha)
o   Utiliza um vocabulário trágico e repetitivo, próprio do código romântico (“desgraça”, “vergonha”, “escárnio”, “desonra”, “sepultura”, “infâmia”, etc.)
o   Opta por atitudes extremas (a ida para o convento) como solução para uma situação socialmente condenável
·         Embora esteja ausente, de uma forma expressa, de todo o mito sebastianista que atravessa o drama, Manuel de Sousa insere-se nele pela defesa dos valores nacionalistas

D. João de Portugal:

·         Nobre: família dos Vimiosos
·         Cavaleiro: combate com o seu rei em Alcácer Quibir
·         Ama a pátria e o seu Rei
·         Representante da época de oiro portuguesa
·         Imagem da Pátria cativa
·         Ligado à lenda de D. Sebastião
·         D. João é uma personagem dupla. Por um lado, é uma personagem abstrata porque só por si não participa no conflito. Por outro, é uma personagem concreta, porque mesmo ausente ele é a força desencadeadora de toda a energia dramática da peça, permanecendo permanentemente em cena através das outras personagens (através das evocações de Madalena, das convicções de Telmo, do Sebastianismo de Maria, das crenças, dos agouros e dos sinais)
·         Porém, uma vez que a sua figura se concretiza em cena a partir do fim do II ato, é como se toda a sua força simbólica se esgotasse pois que a personagem carece de força e de convicção para poder existir. De tal modo é assim, que no final da peça ninguém se compadece dele como marido ultrajado, mas das outras personagens trágicas.
·         D. João é assim uma personagem simbólica que movimenta todas as outras personagens. Simboliza a fatalidade, a força do Destino que atua inexoravelmente sobre as outras personagens, levando a ação a um desfecho trágico.

D. Maria de Noronha

·         Nobre: sangue dos Vilhenas e dos Sousas
·         Precocemente desenvolvida, física e psicologicamente
·         Doente: tuberculose, a doença dos românticos
·         Culto de Camões: evoca constantemente o passado
·         Culto de D. Sebastião: martiriza a mãe involuntariamente
·         Poderosa intuição e dotada do dom da profecia
·         Marcada pelo Destino: a fatalidade atinge-a e destrói-a
·         Modelo da mulher romântica: a mulher-anjo bom
·         A ameaça que percorre o texto é-lhe essencialmente dirigida, razão pela qual se torna vítima inocente e consequentemente heroína. Quer atuando, quer através das falas das outras personagens, Maria está sempre em cena, tornando-se assim o núcleo de construção de toda a peça.
·         Maria não nos aparece nunca como uma personagem real pois a sua figura é altamente idealizada. Como consequência dessa idealização, Maria não tem uma dimensão psicológica real, porque é simultaneamente criança e adulta, não se impondo com nenhum destes estatutos.
·         Maria apresenta algumas marcas de personalidade romântica:
o   É intuitiva e sentimental
o   É idealista e fantasiosa, acreditando em crenças, sonhos, profecias, agoiros, etc.
o   Tem capacidade de desafiar as convenções pois ama a aventura e a glória
o   Tem o culto do nacionalismo, do patriotismo e do Sebastianismo
o   Apresenta uma fragilidade física em contraste com uma intensa força interior (é destemida)
o   Morre como vítima inocente

Telmo Pais

·         Não nobre: escudeiro
·         Ligado sempre à nobreza
·         Confidente de D. Madalena
·         Elo de ligação das famílias
·         Chama viva do passado: alimenta os terrores de D. Madalena
·         Desempenha três funções do Coro das tragédias clássicas: diálogo, comentário e profecia
·         Ligado à lenda romântica sobre Camões
·         Telmo tem como que uma dupla personalidade (uma personalidade convencional e outra autêntica). A personalidade convencional é a imagem com que Telmo se construiu para os outros, através dos tempos (a do escudeiro fiel). A personalidade autêntica é a sua parte secreta, aquela que ele próprio não conhecia, e que veio à superfície num momento trágico da revelação em que Telmo teve que decidir entre a fidelidade a D. João de Portugal ou a fidelidade a Maria.
·         Telmo vive assim um drama inconciliável entre o passado a que quer ser fiel e o presente marcado pelo seu amor a Maria. É este drama da unidade/fragmentação do “eu”, ou seja, este espetáculo da própria mudança feito em cena que é uma novidade e uma nota de modernidade no teatro de Garrett.
·         Claro que esta autorrevelação é provocada por uma acontecimento externo que é o Destino, sem a atuação do qual esta revelação não se teria dado.



Frei Jorge

·         É confidente e conselheiro e, à semelhança do Coro clássico, faz comentários aos factos
·         Pressente o desenlace trágico, contribuindo assim para que os acontecimentos sejam suavizados por uma perspetiva cristã


Marcas clássicas na obra

·   

     Apresenta um reduzido número de personagens e estas são nobres, de condição social e de sentimentos
·         A ação desenvolve-se de forma trágica, apresentando todos os passos da tragédia antiga (o desafio, o sofrimento, o combate, o conflito, o destino, a peripécia, o reconhecimento, o clímax e a catástrofe)
·         O Coro da tragédia clássica não existe mas está representado, de forma esporádica, nas personagens Telmo e Frei Jorge

Marcas românticas na obra

·         A crença no Sebastianismo
·         O patriotismo e o nacionalismo – sentimentos bem patentes no comportamento de Manuel de Sousa Coutinho e no idealismo de Maria
·         As crenças – agoiros, superstições, as visões e os sonhos, bem evidentes em Madalena, Telmo e Maria
·         A religiosidade – A permanente referência ao cristianismo e ao culto
·         O individualismo
·         O tema da morte
·         A tuberculose
·         O drama é escrito em prosa
      Tem 3 actos


Da Lei das Três Unidades da Tragédia Clássica só é respeitada a da Unidade de Acção: as de Unidade de Tempo e de Lugar não são seguidas, visto que os acontecimentos não se desenrolam no mesmo local nem no prazo máximo de 24 horas.


                                                                    Espaço


Ato I: Palácio de Manuel de Sousa Coutinho: luxo, grandes janelas sobre o Tejo, muita luz – felicidade aparente
Ato II: Palácio de D. João de Portugal: melancólico, pesado, escuro – peso da fatalidade, a desgraça
Ato III: Parte baixa do palácio de D. João, junto `a capela: casarão sem ornato algum – abandono dos bens deste mundo. A cruz: elemento conotador de morte e de esperança.