Sermão de Santo António aos Peixes
O Sermão de Santo António aos Peixes foi proferido na cidade de São Luís do Maranhão em 1654, na sequência de uma disputa com os colonos portugueses no Brasil.
O Sermão de Santo António aos Peixes constitui um documento da
surpreendente imaginação, habilidade oratória e poder satírico do Pe. António
Vieira, que toma vários peixes (o roncador, o pegador, o voador e o polvo) como
símbolos dos vícios daqueles colonos.
Com uma construção literária e argumentativa notável, o sermão louvar
algumas virtudes humanas e, principalmente, censurar com severidade os vícios
dos colonos. Este sermão (alegórico) foi pregado três dias antes de Padre
António Vieira embarcar ocultamente para Portugal, para obter uma legislação
justa para os índios.
Todo o sermão é uma alegoria, porque os peixes são a personificação dos
homens.
O
sermão encontra-se dividido em capítulos, pelo seguinte modo:
• 1. Introdução (Exórdio) - capítulo I
• 2. Desenvolvimento (Exposição e Confirmação) - capítulos II a V
• 3.
Conclusão (Peroração ou Epílogo) - capítulo VI
No Exórdio, Padre António Vieira apresenta o conceito predicável, “Vós sois o sal da Terra”,
e explica as razões pelas quais a terra está tão
corrupta. Ou a culpa está no sal (pregadores), ou na
terra (ouvintes). Se a culpa está no sal, é porque os pregadores não pregam a
verdadeira doutrina, ou porque dizem uma coisa e fazem outra ou porque se pregam
a si e não a Cristo. Se a culpa está na terra, é porque os ouvintes não querem
receber a doutrina, ou antes imitam os pregadores e não o que eles
dizem, ou porque servem os seus apetites e não os de
Cristo.
Ao apresentar o conceito predicável, o Padre António Vieira
introduz o tema do sermão mas, apesar de tudo, desvia-se do tema e preocupa-se
apenas com a razão pela qual a terra está corrupta, partindo do princípio de
que a culpa é dos ouvintes. Consegue isto, uma vez que o sermão é proferido no
dia de santo António, aproveitando assim o exemplo deste. Santo
António não obtinha resultados da sua pregação e os homens até o
quiseram matar, em vez de desistir resolveu pregar aos peixes. Assim se viu
Padre António Viera, sem obter resultados, a terra continuava corrupta,
resolvendo igualmente pregar aos peixes, seguido o exemplo de Sto António.
Na
primeira parte, o orador vai louvar as virtudes dos peixes e em seguida
repreendê-los.
O capítulo II contempla os louvores aos peixes de carácter geral,
recorrendo-se ao exemplo de Jonas para mostrar que os homens são muito piores
que os peixes. Como qualidades temos:
- Bons ouvintes / obedientes
- Primeira criação de Deus
- Melhores do que os homens
- Livres, puros, longe dos homens
Estas qualidades são por antítese os defeitos dos homens.
Neste,
como em todos os capítulos, há um exemplo prático de Sto António, para o louvar
no seu dia.
O capítulo III é igualmente de louvor
aos peixes, mas agora de carácter particular. O padre António Vieira utiliza quatro peixes para mostras a relação
entre o homem e o divino, como os peixes se dão a estes cuidados e os homens
não pensam em tais coisas.
Peixe de Tobias: Tem
umas entranhas e um coração que expulsam os demónios e simboliza o poder
purificador da palavra de Deus.
Rémora: Peixe que quando se
agarra e um navio tem força suficiente para o conduzir sozinho. Simboliza o
poder da palavra do pregador – guia das almas.
Torpedo: Produz descargas
eléctricas que fazem tremer o braço do pecador. Simboliza o poder da palavra de
Deus, de fazer tremer os pecadores que pescam na terra tudo quanto encontram.
Quatro – olhos: Tem
dois pares de olhos, uns para cima e outros para baixo. Simboliza o dever dos
cristãos em tirar os olhos da vaidade terrena, olhando para o céu sem esquecer
o inferno.
Todos estes louvores que o Padre António Vieira faz aos peixes
são antíteses aos defeitos dos homens, assim simbolizando os seus vícios.
Seguidamente
parte-se para as repreensões aos peixes, primeiramente de carácter
geral
(Cap.
IV) e depois de carácter particular (Cap. V).
No carácter geral, Padre António Vieira acusa os peixes de se
comerem uns aos outros, recorrendo a um exemplo dos homens para explicar o que
eles faziam. Assim, os homens praticam antropofagia social, ou seja a exploração
uns dos outros. O orador faz uma comparação entre a antropofagia ritual dos
Tapuias (índios brasileiros) e a antropofagia social dos homens, considerando
esta ultima mais grave que a anterior, porque muitas vezes procuram tanto a
exploração que nem os mortos escapam. O mais grave de tudo é que são os grandes
que comem os pequenos, ou seja são precisos muitos pequenos para alimentar um grande.
Acusa-os igualmente de cegueira, vaidade e de terem maldade.
Estas repreensões são feitas com o objectivo de mudar os homens,
ou pelo menos fazê-los pensar, mesmo que não haja uma mudança rápida.
Aqui, há também um exemplo prático de Sto António que nunca
praticou antropofagia social e que trocou a riqueza pela simplicidade.
De carácter particular, Padre António Vieira usa quatro exemplos
de peixes que se referem a tipos comportamentais. O roncador que simboliza os
arrogantes, o pegador, que simboliza os oportunistas, o voador, que simboliza
os ambiciosos e o pior de todos, o polvo, que simboliza o traidor e o
hipócrita. Este último, tem uma aparência de santo e manso e um ar inofensivo, mas
na essência é traiçoeiro e maldoso, é hipócrita e faz-se de amigo dos outros e
no fim “abraça-os”. Neste capítulo são usados os exemplos de São Pedro, Sto
Ambrósio, São Basílio e do Gigante Golias.
Por fim,
a despedida, no capitulo VI, onde o orador retoma os pregadores de que falava no conceito
predicável, servindo-se dele próprio como exemplo alegando que não estava a cumprir
a sua função. Alega também que ele (homens) e os peixes, nunca vão chegar ao sacrifício
final, uma vez que os peixes já vão mortos e os homens vão mortos de espírito.
Padre António Vieira diz que a irracionalidade, a inconsciência
e o instinto dos peixes, são melhores do que a racionalidade, o livre arbítrio,
a consciência, o entendimento e a vontade do homem.
Conclui assim fazendo um apelo aos ouvintes e louvando a Deus,
tornando esta última parte do sermão um pouco mais familiar, para que se
estabeleça de novo a proximidade entre os ouvintes e o orador.
Este sermão teve como ouvintes os colonos do Maranhão e tem
grande coesão e coerência textual graças à utilização de recursos estilísticos,
articuladores do discurso e argumentos de autoridade e analógicos para validar
e confirmar os testemunhos narrados. Todo o sermão é alegórico, uma vez que são
utilizados os peixes como figuras concretas para a crítica aos homens.
Louvores
em Geral
• São obedientes, ouvem e não falam
"ouvem e não falam"
• Foram os primeiros animais a serem criados
"vós fostes os primeiros que Deus
criou"
• São os mais numerosos e os mais volumosos
"entre todos os animais do mundo, os peixes
são os mais e os maiores"
• Não são domesticáveis, presos.
"só eles entre todos os
animais não se domam nem domesticam"
Capítulo III - Louvores em Particular
•Peixe de Tobias
Cura a cegueira
"(...) sendo o
pai de Tobias cego, aplicando-lhe o filho aos olhos um pequeno do fel, cobrou
inteiramente a vista;"
Expulsa os demónios
"(...) tendo um
demónio chamado Asmodeu morto sete maridos a Sara, casou com ela o mesmo Tobias;
e queimando na casa parte do coração, fugiu dali o demónio e nunca mais
tornou;"
• Rémora
Um peixe pequeno mas tem muita força.
"(...) se se pega ao leme de uma nau da índia (...) a prende e amarra mais que as mesmas âncoras, sem se poder mover, nem ir por diante."
"Oh se houvera
uma rémora na terra, que tivesse tanta força como a do mar, que menos perigos
haveria na vida, e que menos naufrágios no mundo!"
"(...) a virtude
da rémora, a qual, pegada ao leme da nau, é freio da nau e leme do leme"
• Torpedo
Peixe que faz descargas eléctricas para se defender.
Faz abanar, faz
passar o Bom
e a virgindade do Espírito Santo
"Está o pescador com a cana
na mão, o anzol no fundo e a bóia sobre a água, e em lhe picando na isca o
torpedo, começa a lhe tremer o braço. Pode haver maior, mais breve e mais
admirável efeito? De maneira que, num momento, passa a virtude do peixezinho,
da boca ao anzol, do anzol, à linha, da linha à cana e da cana ao braço do
pescador"
• Quatro-olhos
Vê para cima e para baixo. Representa a capacidade de distinguir o
bem do mal (céu/inferno).
•
Vigilância, providência
"Esta é a pregação que
me fez aquele peixezinho, ensinando-me que, se tenho fé
e uso da razão, só
devo olhar direitamente para cima, e só direitamente para
baixo: para cima,
considerando que há Céu, e para baixo, lembrando-me que há
Inferno" (Senão por
amor a Deus (cima), então, por repúdio ao inferno (baixo)
Virtudes dos peixes
PEIXE DE TOBIAS
- o fel sara a cegueira;
- o coração lança fora os demónios;
RÉMORA
- tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder;
TORPEDO
- descarga eléctrica que faz tremer o braço do pescador;
QUATRO-OLHOS
- dois olhos voltados para cima para se vigiarem das aves;
- dois olhos voltados para baixo para se vigiarem dos
peixes.
Defeitos dos peixes
RONCADORES
- embora tão pequenos roncam muito (simbolizam a arrogância e a
soberba);
PEGADORES
- sendo pequenos, pegam-se nos maiores, não os largando mais
(simbolizam o
parasitismo);
VOADORES
- sendo peixes, também querem ser aves (simbolizam a vaidade e
a ambição);
POLVO
- com aparência de santo, é o maior traidor do mar (simboliza a
traição).
Sem comentários:
Enviar um comentário