quinta-feira, 22 de novembro de 2012

"Os Maias" de Eça de Queiroz

"Os Maias" de Eça de Queiroz

A acção de "Os Maias" passa-se em Lisboa, na segunda metade do séc. XIX. Conta-nos a história de três gerações da família Maia.

A acção inicia-se no Outono de 1875, altura em que Afonso da Maia, nobre e rico proprietário, se instala no Ramalhete. O seu único filho – Pedro da Maia – de carácter fraco, resultante de uma educação extremamente religiosa e proteccionista à portuguesa, instigada pela mãe, casa-se contra a vontade do pai com a filha de um homem que fez fortuna com o tráfico de escravos africanos, Maria Monforte, de quem tem dois filhos – um menino e uma menina, Carlos Eduardo e Maria Eduarda. 

Mas a esposa, após conhecer Tancredo, um príncipe italiano que Pedro alvejara acidentalmente enquanto caçava, acaba por abandoná-lo para fugir com o napolitano levando consigo a filha, de quem nunca mais se soube o paradeiro.

Carlos Eduardo viria a ser entregue aos cuidados do avô, após o suicídio de Pedro da Maia devido ao desgosto da fuga da mulher que tanto amava.
Carlos passa a infância com o avô, recebendo uma educação rígida, à inglesa, com o perceptor Brown.
Forma-se depois em Medicina, em Coimbra. Regressa a Lisboa, ao Ramalhete, após a formatura, onde se vai rodear de alguns amigos como João da Ega, Alencar, Dâmaso Salcede, Euzebiozinho e o maestro Cruges, entre outros.

Seguindo os hábitos dos que o rodeavam, Carlos envolve-se com a condessa de Gouvarinho, que depois irá abandonar. 
Um dia fica deslumbrado ao conhecer, no Hotel Central, Maria Eduarda, que julgava ser mulher do brasileiro Castro Gomes. Segue-a algum tempo sem êxito, mas acaba por conseguir uma aproximação quando é chamado por ela para visitar, como médico, a sua governanta que adoecera.

Começam então os seus encontros com Maria Eduarda, visto que Castro Gomes estava ausente.
Castro Gomes descobre o sucedido e procura Carlos, dizendo-lhe que Maria Eduarda não é sua esposa, mas sim uma amante e que, portanto, pode ficar com ela.

Entretanto, chega de Paris Guimarães, que diz ter conhecido a mãe de Maria Eduarda e que a procura para lhe entregar um cofre que, segundo ela lhe dissera, continha documentos que identificariam e garantiriam à filha uma boa herança. Essa mulher era Maria Monforte – a mãe de Maria Eduarda e, portanto, também a mãe de Carlos. Os amantes eram irmãos.

Contudo, Carlos não aceita este facto e mantém abertamente a relação incestuosa com a irmã, ocultando-lhe o facto. Afonso da Maia, o velho avô, ao descobrir que Carlos, mesmo sabendo que Maria Eduarda é sua irmã continua a relação, morre de desgosto.

Ao tomar conhecimento dos factos, Maria Eduarda, agora rica, parte para o estrangeiro e Carlos, para se distrair, vai correr mundo.
O romance termina com o regresso de Carlos a Lisboa, passados 10 anos, e o seu reencontro com Portugal, exactamente como o deixara, e com Ega, que lhe diz: - "Falhámos a vida, menino!"….

No entanto, correm desesperadamente atrás de um transporte público, gritando “Ainda o apanhamos!

Afinal, o Futuro não está ainda de todo perdido…

A Crítica Social

A crónica de costumes da vida lisboeta da segunda metade do séc. XIX desenvolve-se num certo tempo, projecta-se num determinado espaço e é ilustrada por meio de inúmeras personagens intervenientes em diferentes episódios.

Lisboa é o espaço privilegiado do romance, onde decorre praticamente toda a vida de Carlos ao longo da acção. O carácter central de Lisboa deve-se ao facto da cidade concentrar, dirigir e simbolizar toda a vida do país. Lisboa é mais do que um espaço físico, é um espaço social. É neste ambiente monótono, amolecido e de clima rico, que Eça vai fazer a crítica social em que domina a ironia corporizada em certos tipos sociais, representantes de ideias, mentalidades, costumes, políticas, concepções do mundo, etc.

Vários são os episódios utilizados pelo autor para mostrar a vida da alta sociedade lisboeta. Destacamos os mais importantes: o jantar do Hotel Central, a corrida de cavalos, o jantar dos Gouvarinho, a Imprensa, a Educação o sarau do Teatro da Trindade e o episódio final que descreve o passeio de Carlos e João da Ega.

A Mensagem

A mensagem que o autor pretende deixar com esta obra é iminentemente crítica.
É através do paralelo entre Pedro e Carlos da Maia, que Eça concretiza a sua intenção. Note-se que ambos, apesar de terem tido educações totalmente diferentes, falharam na vida. Pedro falha com um casamento desastroso, que o leva ao suicídio; Carlos falha deixando-se afundar numa vida estéril e apagada, sem qualquer projecto seriamente útil e com uma ligação incestuosa, da qual sai para viajar para Paris.
Aliás uma viagem para o estrangeiro é a solução para os problemas de muitas personagens Queirosianas

Por outro lado, estas duas personagens representam também épocas históricas e políticas diferentes. Pedro, a época do Romantismo, e seu filho a Geração de 70 e das Conferências do Casino, geração potencialmente destinada ao sucesso

Assim, estas personagens representam os males de Portugal e o fracasso sucessivo das diferentes correntes estético-literárias. Fracasso que parece dever-se não às correntes em si, mas às características do povo português: a predilecção pela forma em detrimento do conteúdo, o diletantismo que impede a fixação num trabalho sério e interessante, a atitude "romântica" perante a vida, que consiste em desculpar sistematicamente, os próprios erros e falhas, dizendo que "Tudo é culpa da sociedade".
Simbolismo

O romance está repleto de símbolos.
Afonso da Maia é uma figura simbólica - o seu nome é simbólico, tal como o de Carlos - o nome do último Stuart, escolhido pela mãe. Carlos irá ser o último Maia – visto que não deixa filhos.
No Ramalhete, esta designação e o emblema (o ramo de girassóis) mostram a importância "da terra e da província" no passado da família Maia. A "gravidade clerical do edifício" demonstra a influência que o clero teve no passado da família e em Portugal.

Por oposição, as obras de restauro levadas a cabo por Carlos introduziram o luxo e a decoração cosmopolita e simbolizam uma nova oportunidade, uma reforma da casa (ou do país) para uma nova etapa - é o reflexo do ideal reformista da Geração de Carlos. Carlos é um símbolo da Geração de 70, tal como o é Ega. Tal como o país, também eles se tornaram “vencidos da Vida”.
No último capítulo, a imagem deixada pelo Ramalhete, abandonado e tristonho, cheio de recordações de um passado de tragédia e frustrações, está muito relacionado com o modo como Eça via o país, em plena crise do regime.

O quintal do Ramalhete também sofre uma evolução. No primeiro capítulo, a cascata está seca porque o tempo da acção d' Os Maias ainda não começou. No último capítulo, o fio de água da cascata é símbolo da eterna melancolia do tempo que passa, dos sentimentos que leva e traz e mostra-nos também que o tempo está mesmo a esgotar-se e o final da história d' Os Maias está próximo. Este choro simboliza também a dor pela morte de Afonso da Maia.

 A estátua de Vénus que enegrece com a fuga de Maria Monforte, no último capítulo aparece coberta de ferrugem, simbolizando o desaparecimento de Maria Eduarda.
A estátua marca então o início e o fim da acção principal. Ela é também símbolo das mulheres fatais d' Os Maias - Maria Eduarda e Maria Monforte.

No quarto de Maria Eduarda, na Toca, o quadro de São João Baptista com a cabeça degolada é um símbolo e presságio de desgraça. Os seus aposentos simbolizam o carácter trágico, a profanação das leis humanas e cristãs.

Também o armário do salão nobre da Toca tem uma simbologia trágica: os guerreiros simbolizam a heroicidade, os evangelistas a religião e os trofeus agrícolas o trabalho: qualidades que existiram um dia na família (e no Portugal da epopeia). Os dois faunos simbolizam o desastre do incesto decorrido entre Carlos e Maria Eduarda. No final um partiu o seu pé de cabra e o outro a flauta bucólica, pormenores que parecem simbolizar o desafio sacrílego dos faunos a tudo quanto era grandioso e sublime na tradição dos antepassados.
No final, a estátua de Camões é o símbolo da nostalgia do passado mais recuado.

Não é difícil lermos o percurso da família Maia nas alterações sofridas pelo Ramalhete. No início o palacete não tem vida; uma vez habitado, torna-se símbolo da esperança e da vida, é como que um renascimento; finalmente, a tragédia abate-se sobre a família e eis a cascata chorando, deitando as últimas gotas de água, a estátua coberta de ferrugem; tudo tem um carácter lúgubre. Note-se que as paredes do Ramalhete foram sempre sinal de desgraça para a família Maia. O cedro e o cipreste são árvores que pela sua longevidade, significam a vida e a morte e foram testemunhas das várias gerações da família. Mas também simbolizam a amizade inseparável de Carlos e João da Ega.

A morte instala-se nesta família. No Ramalhete todo o mobiliário degradado e disposto em confusão, todos os aposentos melancólicos e frios, tudo deixa transparecer a realidade de destruição e morte. E se os Maias representam Portugal, a morte instalou-se no país.

A Toca é o nome dado à habitação de certos animais o que, desde logo, parece simbolizar o carácter animalesco do relacionamento de Carlos e Maria Eduarda. Na primeira vez que lá vai, Carlos introduz a chave no portão com todo o prazer, o que sugere o poder e o prazer das relações incestuosas; da segunda vez ambos a experimentam - a chave torna-se, portanto, o símbolo da mútua aceitação e entrega. Os aposentos de Maria Eduarda simbolizam o carácter trágico, a profanação das leis humanas e cristãs.

O romance está também povoado de símbolos cromáticos: a cor vermelha tem um carácter duplo e Maria Monforte e Maria Eduarda são portadoras de um vermelho feminino, despertam a sensualidade à sua volta e espalham a morte. O vermelho é, portanto, o símbolo da paixão excessiva e destruidora. 

Já o vermelho da vila Balzac é muito intenso, indicando a dimensão essencialmente carnal e efémera dos encontros de amor de Ega e Raquel Cohen. O tom dourado está também presente, indicando a paixão ardente, anunciando a velhice (o Outono) e a proximidade da morte. Morte prefigurada pela cor negra, símbolo de uma paixão possessiva e destruidora.
Mãe e filha conjugam em si estas três cores: elas são, portanto, vida e morte, o divino e o humano, a aparência e a realidade, a força que se torna fraqueza.
Constatamos que a simbologia d' Os Maias possui uma função claramente anunciadora da tragédia.


Personagens

As personagens intervenientes na acção d' Os Maias são cerca de 60. Cingimo-nos às personagens principais e a algumas personagens- tipo que consideramos importantes para o desenrolar da acção. São personagens centrais Afonso da Maia, Pedro da Maia, Carlos da Maia, Maria Eduarda e Maria Monforte. As personagens- tipo são muitas e enumeramos algumas: João da Ega, Alencar, Conde de Gouvarinho, Condessa de Gouvarinho, Craft, Cruges, Cohen, Dâmaso Salcede, Eusebiozinho, Palma Cavalão, Guimarães….
Personagens principais

Afonso da Maia

Caracterização física

Afonso é baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes, cara larga, o nariz aquilino e a pele corada. O cabelo é branco, muito curto e a barba branca e comprida. Como dizia Carlos: "lembrava um varão esforçado das idas heroicas, um D. Duarte Meneses ou um Afonso de Albuquerque".

Caracterização Psicológica

Provavelmente o personagem mais simpático do romance e aquele que o autor mais valorizou. Não se lhe conhecem defeitos. É um homem de carácter, culto e requintado nos gostos. Enquanto jovem adere aos ideais do Liberalismo e é obrigado pelo seu pai a sair de casa; instala-se em Inglaterra mas, falecido o pai, regressa a Lisboa para casar com Maria Eduarda Runa, que nunca se adapta à vida no estrangeiro.
Mais tarde, dedica a sua vida ao neto Carlos. Já velho, passa o tempo em conversas com os amigos, lendo com o seu gato – Reverendo Bonifácio – aos pés, opinando sobre a necessidade de renovação do país. É generoso para com os amigos e os necessitados. Ama a natureza e o que é pobre e fraco. Tem altos e firmes princípios morais. Morre de uma apoplexia, quando descobre os amores incestuosos dos netos.

Pedro da Maia

Caracterização Física

Pequenino, face oval de "um trigueiro cálido", olhos belos – "assemelhavam-no a um belo árabe".

Caracterização Psicológica

Pedro da Maia apresenta um temperamento nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional. Após a morte da mãe tem assiduamente crises de "melancolia negra que o traziam dias e dias, murcho, amarelo, com as olheiras fundas e já velho". Eça de Queirós dá grande importância à vinculação desta personagem ao ramo familiar dos Runa na sua semelhança psicológica.
Pedro é vítima do meio lisboeta em que se insere e de uma educação retrógrada. O seu único sentimento vivo e intenso fora a paixão pela mãe. Depois, experimenta a loucura de uma paixão cega por Maria Monforte, apesar dos avisos do pai. Apesar da robustez física é de uma enorme cobardia moral, como demonstra na reacção do suicídio face à fuga da mulher. Falha no casamento e falha como homem.

Carlos da Maia

Caracterização Física

Carlos é um belo e magnífico rapaz. É alto, bem constituído, de ombros largos, olhos negros, pele branca, cabelos negros e ondulados. Tem barba fina, castanha escura, pequena e aguçada no queixo. O bigode é arqueado aos cantos da boca. Como diz Eça, tem uma fisionomia de "belo cavaleiro da Renascença".

Caracterização Psicológica

Carlos é culto, bem-educado, de gostos requintados. Ao contrário do seu pai, é fruto de uma educação à Inglesa, amigo do seu amigo e generoso. Destaca-se na sua personalidade o cosmopolitismo, a sensualidade, o gosto pelo luxo, e diletantismo (incapacidade de se fixar num projecto sério e de o concretizar). Todavia, apesar da educação, Carlos fracassou. Falhou em parte por causa do meio onde se instalou – uma sociedade parasita, ociosa, fútil e sem estímulos, e devido a aspectos hereditários – a fraqueza e a cobardia do pai, o egoísmo, o futilidade e o espírito boémio da mãe.

Maria Eduarda

Caracterização Física

Maria Eduarda é uma bela mulher alta, loira, bem-feita, sensual mas delicada, "com um passo soberano de deusa", é "flor de uma civilização superior, faz relevo nesta multidão de mulheres miudinhas e morenas". Era bastante simples na maneira de vestir, "divinamente bela, quase sempre de escuro, com um curto decote onde resplandecia o incomparável esplendor do seu colo".

Caracterização psicológica

Podemos verificar que, ao contrário das outras personagens femininas, Maria Eduarda nunca é criticada. Eça manteve sempre esta personagem à distância, a fim de possibilitar o desenrolar de um desfecho dramático (a personagem cumpre um papel de vítima passiva). 
Maria Eduarda é então delineada em poucos traços e o seu passado é quase desconhecido, o que contribui para o aumento de encanto que a envolve. A sua caracterização é feita através do contraste entre si e as outras personagens femininas mas, ao mesmo tempo, chega-nos através do ponto de vista de Carlos da Maia, para quem tudo o que viesse de Maria Eduarda era perfeito, "Maria Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela; e pareceu-lhe perfeito, condizendo bem com a sua beleza serena."
Uma vez descoberta toda a verdade da sua origem, o seu comportamento mantém-se afastado da crítica de costumes (o seu papel na intriga amorosa está cumprido), e a personagem afasta-se discretamente de cena com enorme dignidade.

Maria Monforte

Caracterização Física

É extremamente bela e sensual. Tem os cabelos loiros, "a testa curta e clássica, o colo ebúrneo". Um modelo de Rubens, o ideal de beleza feminino Queirosiano.

Caracterização Psicológica

É vítima da literatura romântica e daqui deriva o seu carácter pobre, excêntrico e excessivo.
Leviana e imoral, educada com mimo excessivo pelo pai é, em parte, a culpada das desgraças da família Maia. Age por amor, não por maldade. Morto Tancredo num duelo, leva uma vida dissipada e morre quase na miséria. Deixa um cofre a um conhecido português - o democrata  Guimarães - com documentos que podem identificar a filha a quem nunca revelou as origens.

Personagens-tipo

João da Ega

Caracterização Física

Ega usava "um vidro entalado no olho", tinha "nariz adunco, pescoço esganiçado, punhos tísicos, pernas de cegonha": o autêntico retrato de Eça.

Caracterização Psicológica

João da Ega é a projecção literária de Eça de Queirós. É um personagem contraditório. Por um lado, romântico e sentimental, por outro, progressista e crítico, sarcástico do Portugal Constitucional. É o Mefistófeles de Celorico, amigo íntimo de Carlos desde os tempos de Coimbra, onde se formara em Direito (muito lentamente...). A mãe é uma rica viúva e beata, que vive ao pé de Celorico de Basto com a filha.
 Boémio, excêntrico, exagerado, caricatural, anarquista, sem Deus e sem moral, é leal com os amigos.
Sofre também de diletantismo, concebe grandes projectos literários que nunca chega a executar. Terminado o curso, vem viver para Lisboa e torna-se amigo inseparável de Carlos. Como Carlos, também tem a sua grande paixão - Raquel Cohen. 
Ega, um falhado corrompido pela sociedade, encarna a figura defensora dos valores da escola realista por oposição à romântica. Na prática, revela-se como eterno romântico. Nos últimos capítulos ocupa um papel de grande relevo no desenrolar da intriga. É a ele que Guimarães entrega o cofre. É juntamente com ele, que Carlos revela a verdade a Afonso. É ele que diz a verdade a Maria Eduarda e a acompanha quando esta parte para Paris definitivamente: substitui Carlos, que tem uma atitude cobarde.

Conde de Gouvarinho

Caracterização Física

É ministro e par do Reino. Tem um bigode encerado e uma pera curta.

Caracterização Psicológica

Voltado para o passado, tem lapsos de memória e revela uma enorme falta de cultura. Não compreende a ironia sarcástica de Ega. Representa a incompetência do poder político, principalmente dos altos cargos.
Fala de um modo depreciativo das mulheres.


Condessa de Gouvarinho

Caracterização Física

Cabelos crespos e ruivos, nariz petulante, olhos escuros e brilhantes, elegante, pele clara, fina e doce; é casada com o conde de Gouvarinho e filha de um comerciante do Porto.

Caracterização Psicológica

É imoral e sem escrúpulos. Trai o marido com Carlos, sem qualquer tipo de remorsos. Questões de dinheiro e a mediocridade do conde fazem com que o casal se desentenda. Envolve-se com Carlos e revela-se apaixonada e impetuosa. Carlos deixa-a e acaba por perceber que é uma mulher sem qualquer interesse, demasiado fútil.

Dâmaso Salcede

Caracterização Física

Baixo, gordo, "frisado como um noivo de província". É sobrinho de Guimarães. A ele e ao tio se devem, respectivamente, o início e o fim dos amores de Carlos com Maria Eduarda.

Caracterização Psicológica

Dâmaso é uma súmula de defeitos. Filho de um agiota, é presumido, cobarde e sem dignidade. É dele a carta anónima enviada a Castro Gomes, que revela o envolvimento de Maria Eduarda com Carlos. É dele também a notícia contra Carlos n' A Corneta do Diabo. Mesquinho e convencido, provinciano e tacanho, tem uma única preocupação na vida, o "chic a valer".
Representa o novo-riquismo e os vícios da Lisboa da segunda metade do séc. XIX. O seu carácter é tão baixo que se retrata como um bêbado, só para evitar bater-se em duelo com Carlos.

 Guimarães

Caracterização Física

Usa largas barbas e um grande chapéu de abas à moda de 1830.

Caracterização Psicológica

Conheceu Maria Monforte, que lhe confiou um cofre contendo documentos que identificam a filha. Guimarães é, portanto, o mensageiro da trágica verdade que destruirá a felicidade de Carlos e de Maria Eduarda.

Alencar

Caracterização Física

Tomás de Alencar era "muito alto, com uma face escaveirada, olhos encovados, e sob o nariz aquilino, longos, espessos, românticos bigodes grisalhos".

Caracterização Psicológica

Era calvo, em toda a sua pessoa "havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de lúgubre". Simboliza o romantismo piegas.
Paladino da moral, é também o companheiro e amigo de Pedro da Maia. Não tem defeitos e possui um coração grande e generoso. É o poeta do ultra-romantismo.
Eça serve-se desta personagem para construir discussões de Escola entre naturalistas e românticos, numa versão caricatural da Questão Coimbrã.


Cruges

Caracterização Física

"De grenha crespa que lhe ondulava até à gola do jaquetão", "olhinhos piscos" e nariz espetado.

Caracterização Psicológica

Maestro e pianista patético, é amigo de Carlos e íntimo do Ramalhete. Demasiado chegado à sua velha mãe, com quem vive é, segundo Eça, "um diabo adoidado, maestro, pianista com uma pontinha de génio".
É desmotivado devido ao meio lisboeta - "Se eu fizesse uma boa ópera, quem é que ma representava?"…
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Craft

É uma personagem com pouca importância para o desenrolar da acção, mas que representa a formação britânica, o protótipo do que deve ser um homem. Defende a arte pela arte, a arte como idealização do que há de melhor na natureza.
É culto e forte, de hábitos rígidos, "sentindo finamente, pensando com rectidão", inglês rico e boémio, coleccionador de "bric-a-brac".

Eusebiozinho

Eusebiozinho representa a educação retrógrada portuguesa.
Também conhecido por Silveirinha, é o primogénito de uma das Silveiras - senhoras ricas e beatas. Amigo de infância de Carlos, brincava com ele em Santa Olávia levando pancada continuamente, contrastando na educação. Cresceu cobarde, molengão, tristonho e corrupto. Casou-se, mas enviuvou cedo.
Procurava, para se distrair, bordéis ou aventureiras de ocasião pagas à hora.

Cohen

É o banqueiro corrupto e incompetente, achando imensa graça ao facto do país estar em bancarrota.
Resolve os adultérios constantes da esposa com enormes e regulares tareias


                                                                  Acção

Em “Os Maias” podemos distinguir dois níveis de acção: a crónica de costumes - acção aberta; e a intriga - acção fechada, que se divide em intriga principal e intriga secundária.
São, aliás, estes dois níveis de acção que justificam a existência de título e subtítulo nesta obra. O título - Os Maias - corresponde à intriga, enquanto que o subtítulo - Episódios da Vida Romântica - corresponde à crónica de costumes.

Na intriga secundária temos: a história de Afonso da Maia - época de reacção do Liberalismo ao Absolutismo; a história de Pedro da Maia e Maria Monforte - época de instauração do Liberalismo e consequentes contradições internas; a história da infância e juventude de Carlos da Maia - época de decadência das experiências liberais.

Na intriga principal são retratados os amores incestuosos de Carlos e Maria Eduarda, que terminam com a desagregação da família - morte de Afonso e separação de Carlos e Maria Eduarda. Carlos é o protagonista da intriga principal. Teve uma educação à inglesa e tirou o curso de medicina em Coimbra. A educação de Maria Eduarda foi completamente diferente, donde se conclui que a sua paixão não foi condicionada pela educação, nem pela hereditariedade, nem pelo meio. A sua ligação amorosa foi comandada à distância por uma entidade que se denomina destino.

A acção principal d' Os Maias desenvolve-se segundo os moldes da tragédia clássica - peripécia, reconhecimento e catástrofe.
A peripécia verificou-se com o encontro casual de Maria Eduarda com Guimarães, com as revelações casuais do Guimarães a Ega sobre a identidade de Maria Eduarda e com as revelações a Carlos e Afonso da Maia também sobre a identidade de Maria Eduarda.

O reconhecimento, trazido pelas revelações de Guimarães, torna a relação entre Carlos e Maria Eduarda incestuosa, provocando a catástrofe consumada pela morte do avô; a separação definitiva dos dois amantes e as reflexões de Carlos e Ega.

O Espaço

Espaço Físico


Exteriores:

A maior parte da narrativa passa-se em Portugal, mais concretamente em Lisboa e arredores.
Em Santa Olávia passa-se a infância de Carlos. É também para lá que este foge quando descobre a sua relação incestuosa com a irmã.
Em Coimbra passam-se os estudos de Carlos e as suas primeiras aventuras amorosas.
É em Lisboa que se dão os acontecimentos que levam Afonso da Maia ao exílio; é em Lisboa que sucedem os acontecimentos essenciais da vida de Pedro da Maia; e é também na capital que decorre a vida de Carlos que justifica o romance - a sua relação incestuosa com a irmã.

O estrangeiro surge-nos como um recurso para resolver problemas. Afonso exila-se em Inglaterra para fugir à intolerância Miguelista; Pedro e Maria vivem em Itália e em Paris devido à recusa deste casamento pelo pai de Pedro; Maria Eduarda segue para Paris quando descobre a sua relação incestuosa com Carlos; o próprio resolve a sua vida falhada com a fixação definitiva em Paris.

Deve referir-se como importante espaço exterior Sintra, palco de vários encontros, quer relativos à crónica de costumes, quer à relação amorosa dos protagonistas.

Interiores:

Vários são os espaços interiores referidos n' Os Maias:

No Ramalhete podemos encontrar: o salão de convívio e de lazer, o escritório de Afonso, que tem o aspecto de uma "severa câmara de prelado", o quarto de Carlos, "com um ar de quarto de bailarina" e os jardins.
A acção desenrola-se também na vila Balzac, que reflecte a sensualidade de João da Ega. É referido também na obra o luxuoso consultório de Carlos, que revela o seu diletantismo e a predisposição para a sensualidade através da presença de um divã, "móvel de amor" na opinião de Ega.
A Toca é também um espaço interior carregado de simbolismo, que revela amores ilícitos. São ainda referidos outros espaços interiores de menor importância como o apartamento de Maria Eduarda, o Teatro da Trindade, a casa dos condes de Gouvarinho, o Grémio, o Hotel Central, os hotéis de Sintra, a redacção d' A Tarde e
d' A Corneta do Diabo, etc.


Espaço Social

O espaço social comporta os ambientes (jantares, chás, soirés, bailes, espectáculos), onde actuam as personagens que o narrador julgou melhor representarem a sociedade por ele criticada – as classes dirigentes, a alta aristocracia e a burguesia.
Destacamos o jantar do Hotel Central, os jantares em casa dos Gouvarinho, Santa Olávia, a Toca, as corridas do Hipódromo, as reuniões na redacção d' A Tarde, o Sarau Literário no Teatro da Trindade - ambientes fechados de preferência, por razões de elitismo.
O espaço social cumpre um papel puramente crítico.



Espaço Psicológico

O espaço psicológico é constituído pela consciência das personagens e manifesta-se em momentos de maior densidade dramática. É sobretudo Carlos quem desvenda os labirintos da sua consciência, ocupando também Ega um lugar de relevo.
Destacamos, como espaço psicológico, o sonho de Carlos no qual evoca a figura de Maria Eduarda; nova evocação dela em Sintra; reflexões de Carlos sobre o parentesco que o liga a Maria Eduarda; visão do Ramalhete e do avô, após o incesto; contemplação de Afonso morto no jardim.
Quanto a Ega, reflexões e inquietações após a descoberta da identidade de Maria Eduarda.
O espaço psicológico permite definir estas personagens como personagens modeladas.


Tempo

O romance não apresenta um seguimento temporal linear mas, pelo contrário, uma estrutura complexa na qual se integram tempo histórico, tempo do discurso e tempo psicológico.

Tempo Histórico

Entende-se por tempo histórico aquele que se desdobra em dias, meses e anos vividos pelas personagens, reflectindo até acontecimentos cronológicos históricos do país.
N' Os Maias, o tempo histórico é dominado pelo encadeamento de três gerações de uma família, cujo último membro, Carlos, se destaca relativamente aos outros. A fronteira cronológica situa-se entre 1820 e 1887, aproximadamente. Assim, o tempo concreto da intriga compreende cerca de 70 anos.



Tempo do Discurso

Por tempo do discurso entende-se aquele que se detecta no próprio texto organizado pelo narrador, ordenado ou alterado logicamente, alargado ou resumido.
Na obra, o discurso inicia-se no Outono de 1875, data em que Carlos, concluída a sua viagem de um ano pela Europa após a formatura, veio com o avô instalar-se definitivamente em Lisboa. 
Pelo processo de analepse, o narrador vai, até parte do capítulo IV, referir-se aos antepassados do protagonista (juventude e exílio de Afonso da Maia, educação, casamento e suicídio de Pedro da Maia, e à educação de Carlos da Maia e sua formatura em Coimbra) para recuperar o presente da história que havia referido nas primeiras linhas do livro. 
Esta primeira parte pode considerar-se uma novela introdutória, que dura quase 60 anos. A analepse ocupa apenas 90 páginas, apresentada por meio de resumos e elipses. Assim, o tempo histórico é muito mais longo do que o tempo do discurso. Do Outono de 1875 a Janeiro de 1877 - data em que Carlos abandona o Ramalhete - existe uma tentativa para que o tempo histórico (pouco mais de um ano da vida de Carlos) seja idêntico ao tempo do discurso - cerca de 600 páginas. Para isso Eça serve-se muitas vezes da cena dialogada. O último capítulo é uma elipse (salto no tempo) onde, passados 10 anos, Ega se encontra com Carlos em Lisboa.


Tempo Psicológico

O tempo psicológico é o tempo que a personagem assume interiormente: é o tempo filtrado pelas suas vivências subjectivas, muitas vezes carregado de densidade dramática. É o tempo que se alarga ou se encurta conforme o seu estado de espírito.

No romance é possível evidenciar alguns momentos de tempo psicológico nalgumas personagens:
Pedro da Maia, na noite em que se deu o desaparecimento de Maria Monforte e o comunica a seu pai; Carlos, quando recorda o primeiro beijo que lhe deu a condessa de Gouvarinho ou, na companhia de João da Ega, contempla, já no final de livro, após a sua chegada de Paris, o velho Ramalhete abandonado e ambos recordam o passado com nostalgia numa visão pessimista do Mundo e das coisas. É o caso de "agora o seu dia estava findo: mas, passadas as longas horas, terminada a longa noite, ele penetrava outra vez naquela sala de repes vermelhos...".
O tempo psicológico introduz a subjectividade, o que põe em causa as leis do naturalismo.

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