A acção de "Os Maias" passa-se em Lisboa, na segunda
metade do séc. XIX. Conta-nos a história de três gerações da família Maia.
A acção inicia-se no Outono de 1875, altura em que Afonso da Maia,
nobre e rico proprietário, se instala no Ramalhete.
O seu único filho – Pedro da Maia – de carácter fraco, resultante de uma
educação extremamente religiosa e proteccionista à portuguesa, instigada pela
mãe, casa-se contra a vontade do pai com a filha de um homem que fez fortuna
com o tráfico de escravos africanos, Maria Monforte, de quem tem dois filhos –
um menino e uma menina, Carlos Eduardo e Maria Eduarda.
Mas a esposa, após
conhecer Tancredo, um príncipe italiano que Pedro alvejara acidentalmente
enquanto caçava, acaba por abandoná-lo para fugir com o napolitano levando
consigo a filha, de quem nunca mais se soube o paradeiro.
Carlos Eduardo viria a ser entregue aos cuidados do avô, após o
suicídio de Pedro da Maia devido ao desgosto da fuga da mulher que tanto
amava.
Carlos passa a infância com o avô, recebendo uma educação rígida, à
inglesa, com o perceptor Brown.
Forma-se depois em Medicina, em Coimbra. Regressa a Lisboa, ao
Ramalhete, após a formatura, onde se vai rodear de alguns amigos como João da
Ega, Alencar, Dâmaso Salcede, Euzebiozinho e o maestro Cruges, entre outros.
Seguindo os hábitos dos que o rodeavam, Carlos envolve-se com a condessa de Gouvarinho, que depois irá abandonar.
Um dia fica deslumbrado ao
conhecer, no Hotel Central, Maria Eduarda, que julgava ser mulher do brasileiro
Castro Gomes. Segue-a algum tempo sem êxito, mas acaba por conseguir uma
aproximação quando é chamado por ela para visitar, como médico, a sua governanta
que adoecera.
Começam então os seus encontros com Maria Eduarda, visto que Castro
Gomes estava ausente.
Castro Gomes descobre o sucedido e procura Carlos, dizendo-lhe que
Maria Eduarda não é sua esposa, mas sim uma amante e que, portanto, pode ficar
com ela.
Entretanto, chega de Paris Guimarães, que diz ter
conhecido a mãe de Maria Eduarda e que a procura para lhe entregar um cofre
que, segundo ela lhe dissera, continha documentos que identificariam e
garantiriam à filha uma boa herança. Essa mulher era Maria Monforte – a mãe de
Maria Eduarda e, portanto, também a mãe de Carlos. Os amantes eram irmãos.
Contudo, Carlos não aceita este facto e mantém
abertamente a relação incestuosa com a irmã, ocultando-lhe o facto. Afonso da
Maia, o velho avô, ao descobrir que Carlos, mesmo sabendo que Maria Eduarda é
sua irmã continua a relação, morre de desgosto.
Ao tomar conhecimento dos factos, Maria Eduarda, agora
rica, parte para o estrangeiro e Carlos, para se distrair, vai correr mundo.
O romance termina com o regresso de Carlos a Lisboa, passados
10 anos, e o seu reencontro com Portugal, exactamente como o deixara, e com Ega, que lhe diz: -
"Falhámos a vida, menino!"….
No entanto, correm desesperadamente atrás de um
transporte público, gritando “Ainda o apanhamos!”
Afinal, o Futuro não está ainda de todo perdido…
A Crítica Social
A crónica de costumes da vida
lisboeta da segunda metade do séc. XIX desenvolve-se num certo tempo,
projecta-se num determinado espaço e é ilustrada por meio de inúmeras
personagens intervenientes em diferentes episódios.
Lisboa é o espaço privilegiado
do romance, onde decorre praticamente toda a vida de Carlos ao longo da acção.
O carácter central de Lisboa deve-se ao facto da cidade concentrar, dirigir e
simbolizar toda a vida do país. Lisboa é mais do que um espaço físico, é um
espaço social. É neste ambiente monótono, amolecido e de clima rico, que Eça
vai fazer a crítica social em que domina a ironia corporizada em certos tipos
sociais, representantes de ideias, mentalidades, costumes, políticas, concepções
do mundo, etc.
Vários são os episódios
utilizados pelo autor para mostrar a vida da alta sociedade lisboeta.
Destacamos os mais importantes: o jantar do Hotel Central, a corrida de
cavalos, o jantar dos Gouvarinho, a Imprensa, a Educação o sarau do Teatro da Trindade
e o episódio final que descreve o passeio de Carlos e João da Ega.
A
Mensagem
A mensagem que o autor pretende
deixar com esta obra é iminentemente crítica.
É através do paralelo entre
Pedro e Carlos da Maia, que Eça concretiza a sua intenção. Note-se que ambos, apesar
de terem tido educações totalmente diferentes, falharam na vida. Pedro falha
com um casamento desastroso, que o leva ao suicídio; Carlos falha deixando-se
afundar numa vida estéril e apagada, sem qualquer projecto seriamente útil e com
uma ligação incestuosa, da qual sai para viajar para Paris.
Aliás uma viagem para o
estrangeiro é a solução para os problemas de muitas personagens Queirosianas
Por outro lado, estas duas
personagens representam também épocas históricas e políticas diferentes. Pedro,
a época do Romantismo, e seu filho a Geração de 70 e das Conferências do Casino,
geração potencialmente destinada ao sucesso
Assim, estas personagens
representam os males de Portugal e o fracasso sucessivo das diferentes
correntes estético-literárias. Fracasso que parece dever-se não às correntes em
si, mas às características do povo português: a predilecção pela forma em detrimento
do conteúdo, o diletantismo que impede a fixação num trabalho sério e
interessante, a atitude "romântica" perante a vida, que consiste em
desculpar sistematicamente, os próprios erros e falhas, dizendo que "Tudo é culpa da sociedade".
Simbolismo
O romance está repleto de
símbolos.
Afonso da Maia é uma figura
simbólica - o seu nome é simbólico, tal como o de Carlos - o nome do último
Stuart, escolhido pela mãe. Carlos irá ser o último Maia – visto que não deixa
filhos.
No Ramalhete, esta designação e
o emblema (o ramo de girassóis) mostram a importância "da terra e da
província" no passado da família Maia. A "gravidade clerical do
edifício" demonstra a influência que o clero teve no passado da família e
em Portugal.
Por oposição, as obras de
restauro levadas a cabo por Carlos introduziram o luxo e a decoração cosmopolita e
simbolizam uma nova oportunidade, uma reforma da casa (ou do país) para uma
nova etapa - é o reflexo do ideal reformista da Geração de Carlos. Carlos é um
símbolo da Geração de 70, tal como o é Ega. Tal como o país, também eles se
tornaram “vencidos da Vida”.
No último capítulo, a imagem
deixada pelo Ramalhete, abandonado e tristonho, cheio de recordações de um
passado de tragédia e frustrações, está muito relacionado com o modo como Eça via
o país, em plena crise do regime.
O quintal do Ramalhete também
sofre uma evolução. No primeiro capítulo, a cascata está seca porque o tempo da
acção d' Os Maias ainda não começou. No último capítulo, o fio de água da cascata é
símbolo da eterna melancolia do tempo que passa, dos sentimentos que leva e
traz e mostra-nos também que o tempo está mesmo a esgotar-se e o final da
história d' Os Maias está próximo. Este choro simboliza também a
dor pela morte de Afonso da Maia.
A estátua de Vénus que enegrece com a fuga de
Maria Monforte, no último capítulo aparece coberta de ferrugem, simbolizando o desaparecimento
de Maria Eduarda.
A estátua marca então o início
e o fim da acção principal. Ela é também símbolo das mulheres fatais d' Os Maias - Maria Eduarda e Maria
Monforte.
No quarto de Maria Eduarda, na
Toca, o quadro de São João Baptista com a cabeça degolada é um símbolo e
presságio de desgraça. Os seus aposentos simbolizam o carácter trágico, a
profanação das leis humanas e cristãs.
Também o armário do salão nobre
da Toca tem uma simbologia trágica: os guerreiros simbolizam a heroicidade, os
evangelistas a religião e os trofeus agrícolas o trabalho: qualidades que
existiram um dia na família (e no Portugal da epopeia). Os dois faunos
simbolizam o desastre do incesto decorrido entre Carlos e Maria Eduarda. No
final um partiu o seu pé de cabra e o outro a flauta bucólica, pormenores que
parecem simbolizar o desafio sacrílego dos faunos a tudo quanto era grandioso e
sublime na tradição dos antepassados.
No final, a estátua de Camões é
o símbolo da nostalgia do passado mais recuado.
Não é difícil lermos o percurso
da família Maia nas alterações sofridas pelo Ramalhete. No início o palacete
não tem vida; uma vez habitado, torna-se símbolo da esperança e da vida, é como
que um renascimento; finalmente, a tragédia abate-se sobre a família e eis a
cascata chorando, deitando as últimas gotas de água, a estátua coberta de
ferrugem; tudo tem um carácter lúgubre. Note-se que as paredes do Ramalhete
foram sempre sinal de desgraça para a família Maia. O cedro e o cipreste são
árvores que pela sua longevidade, significam a vida e a morte e foram
testemunhas das várias gerações da família. Mas também simbolizam a amizade inseparável
de Carlos e João da Ega.
A morte instala-se nesta
família. No Ramalhete todo o mobiliário degradado e disposto em confusão, todos
os aposentos melancólicos e frios, tudo deixa transparecer a realidade de destruição
e morte. E se os Maias representam Portugal, a morte instalou-se no país.
A Toca é o nome dado à habitação
de certos animais o que, desde logo, parece simbolizar o carácter animalesco
do relacionamento de Carlos e Maria Eduarda. Na primeira vez que lá vai, Carlos
introduz a chave no portão com todo o prazer, o que sugere o poder e o prazer
das relações incestuosas; da segunda vez ambos a experimentam - a chave torna-se,
portanto, o símbolo da mútua aceitação e entrega. Os aposentos de Maria Eduarda
simbolizam o carácter trágico, a profanação das leis humanas e cristãs.
O romance está também povoado de símbolos cromáticos: a cor vermelha tem um
carácter duplo e Maria Monforte e Maria Eduarda são portadoras de um vermelho
feminino, despertam a sensualidade à sua volta e espalham a morte. O vermelho
é, portanto, o símbolo da paixão excessiva e destruidora.
Já o vermelho da vila
Balzac é muito intenso, indicando a dimensão essencialmente carnal e efémera
dos encontros de amor de Ega e Raquel Cohen. O tom dourado está também
presente, indicando a paixão ardente, anunciando a velhice (o Outono) e a
proximidade da morte. Morte prefigurada pela cor negra, símbolo de uma paixão
possessiva e destruidora.
Mãe e filha conjugam em si
estas três cores: elas são, portanto, vida e morte, o divino e o humano, a aparência
e a realidade, a força que se torna fraqueza.
Constatamos que a simbologia d'
Os Maias possui
uma função claramente anunciadora da tragédia.
Personagens
As personagens intervenientes
na acção d' Os Maias são cerca de 60. Cingimo-nos às personagens principais e a algumas
personagens- tipo que consideramos importantes para o desenrolar da acção. São personagens
centrais Afonso da Maia,
Pedro da Maia, Carlos da Maia, Maria Eduarda e Maria Monforte. As personagens-
tipo são muitas e enumeramos algumas: João
da Ega, Alencar, Conde de Gouvarinho, Condessa de Gouvarinho, Craft, Cruges,
Cohen, Dâmaso Salcede, Eusebiozinho, Palma Cavalão, Guimarães….
Personagens
principais
Afonso da Maia
Caracterização física
Afonso é baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes, cara larga, o nariz aquilino e
a pele corada. O cabelo é branco, muito curto e a barba branca e comprida.
Como dizia Carlos: "lembrava um varão esforçado das idas heroicas, um D.
Duarte Meneses ou um Afonso de Albuquerque".
Caracterização Psicológica
Provavelmente o personagem mais
simpático do romance e aquele que o autor mais valorizou. Não se lhe conhecem
defeitos. É um homem de carácter, culto e requintado nos gostos. Enquanto jovem
adere aos ideais do Liberalismo e é obrigado pelo seu pai a sair de casa;
instala-se em Inglaterra mas, falecido o pai, regressa a Lisboa para casar com
Maria Eduarda Runa, que nunca se adapta à vida no estrangeiro.
Mais tarde, dedica a sua vida
ao neto Carlos. Já velho, passa o tempo em conversas com os amigos, lendo com o
seu gato – Reverendo Bonifácio – aos pés, opinando sobre a necessidade de renovação
do país. É generoso para com os amigos e os necessitados. Ama a natureza e o que
é pobre e fraco. Tem altos e firmes princípios morais. Morre de uma apoplexia,
quando descobre os amores incestuosos dos netos.
Pedro
da Maia
Caracterização Física
Pequenino, face oval de
"um trigueiro cálido", olhos belos – "assemelhavam-no a um belo
árabe".
Caracterização Psicológica
Pedro da Maia apresenta um
temperamento nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional. Após a morte
da mãe tem assiduamente crises de "melancolia negra que o traziam dias e
dias, murcho, amarelo, com as olheiras fundas e já velho". Eça de Queirós
dá grande importância à vinculação desta personagem ao ramo familiar dos Runa
na sua semelhança psicológica.
Pedro é vítima do meio lisboeta
em que se insere e de uma educação retrógrada. O seu único sentimento vivo e
intenso fora a paixão pela mãe. Depois, experimenta a loucura de uma paixão
cega por Maria Monforte, apesar dos avisos do pai. Apesar da robustez física é
de uma enorme cobardia moral, como demonstra na reacção do suicídio face à fuga
da mulher. Falha no casamento e falha como homem.
Carlos da Maia
Caracterização Física
Carlos é um belo e magnífico
rapaz. É alto, bem constituído, de ombros largos, olhos negros, pele branca, cabelos
negros e ondulados. Tem barba fina, castanha escura, pequena e aguçada no
queixo. O bigode é arqueado aos cantos da boca. Como diz Eça, tem uma
fisionomia de "belo cavaleiro da
Renascença".
Caracterização Psicológica
Carlos é culto, bem-educado,
de gostos requintados. Ao contrário do seu pai, é fruto de uma educação à
Inglesa, amigo do seu amigo e generoso. Destaca-se na sua personalidade o
cosmopolitismo, a sensualidade, o gosto pelo luxo, e diletantismo (incapacidade
de se fixar num projecto sério e de o concretizar). Todavia, apesar da
educação, Carlos fracassou. Falhou em parte por causa
do meio onde se instalou – uma sociedade parasita, ociosa, fútil e sem
estímulos, e devido a aspectos hereditários – a fraqueza e a cobardia do pai, o
egoísmo, o futilidade e o espírito boémio da mãe.
Maria
Eduarda
Caracterização Física
Maria Eduarda é uma bela
mulher alta, loira, bem-feita, sensual mas delicada, "com um passo soberano de deusa", é
"flor de uma civilização superior,
faz relevo nesta multidão de mulheres miudinhas e morenas". Era
bastante simples na maneira de vestir, "divinamente bela, quase sempre de escuro,
com um curto decote onde resplandecia o incomparável esplendor do seu colo".
Caracterização psicológica
Podemos verificar que, ao contrário
das outras personagens femininas, Maria Eduarda nunca é criticada. Eça manteve
sempre esta personagem à distância, a fim de possibilitar o desenrolar de um desfecho
dramático (a personagem cumpre um papel de vítima passiva).
Maria Eduarda é
então delineada em poucos traços e o seu passado é quase desconhecido, o que
contribui para o aumento de encanto que a envolve. A sua caracterização é feita
através do contraste entre si e as outras personagens femininas mas, ao mesmo
tempo, chega-nos através do ponto de vista de Carlos da Maia, para quem tudo o que
viesse de Maria Eduarda era perfeito, "Maria
Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela; e pareceu-lhe
perfeito, condizendo bem com a sua beleza serena."
Uma vez descoberta toda a
verdade da sua origem, o seu comportamento mantém-se afastado da crítica de
costumes (o seu papel na intriga amorosa está cumprido), e a personagem
afasta-se discretamente de cena com enorme dignidade.
Maria
Monforte
Caracterização Física
É extremamente bela e sensual.
Tem os cabelos loiros, "a testa
curta e clássica, o colo ebúrneo". Um modelo de Rubens, o ideal de beleza feminino Queirosiano.
Caracterização Psicológica
É vítima da literatura romântica
e daqui deriva o seu carácter pobre, excêntrico e excessivo.
Leviana e imoral, educada com
mimo excessivo pelo pai é, em parte, a culpada das desgraças da família Maia.
Age por amor, não por maldade. Morto Tancredo num duelo, leva uma vida dissipada
e morre quase na miséria. Deixa um cofre a um conhecido português - o democrata Guimarães - com documentos que podem identificar a filha a quem nunca
revelou as origens.
Personagens-tipo
João da Ega
Caracterização Física
Ega
usava "um vidro entalado no olho",
tinha "nariz adunco, pescoço
esganiçado, punhos tísicos, pernas de cegonha": o autêntico retrato de
Eça.
Caracterização Psicológica
João da Ega é a projecção literária
de Eça de Queirós. É um personagem contraditório. Por um lado, romântico e
sentimental, por outro, progressista e crítico, sarcástico do Portugal
Constitucional. É o Mefistófeles de Celorico, amigo íntimo de Carlos desde os
tempos de Coimbra, onde se formara em Direito (muito lentamente...). A mãe é uma
rica viúva e beata, que vive ao pé de Celorico de Basto com a filha.
Boémio, excêntrico, exagerado, caricatural,
anarquista, sem Deus e sem moral, é leal com os amigos.
Sofre também de diletantismo,
concebe grandes projectos literários que nunca chega a executar. Terminado o
curso, vem viver para Lisboa e torna-se amigo inseparável de Carlos. Como
Carlos, também tem a sua grande paixão - Raquel Cohen.
Ega, um falhado corrompido
pela sociedade, encarna a figura defensora dos valores da escola realista por
oposição à romântica. Na prática, revela-se como eterno romântico. Nos últimos
capítulos ocupa um papel de grande relevo no desenrolar da intriga. É a ele que
Guimarães entrega o cofre. É juntamente com ele, que Carlos revela a
verdade a Afonso. É ele que diz a verdade a Maria Eduarda e a acompanha quando
esta parte para Paris definitivamente: substitui Carlos, que tem uma atitude
cobarde.
Conde
de Gouvarinho
Caracterização Física
É ministro e par do Reino.
Tem um bigode encerado e uma pera curta.
Caracterização Psicológica
Voltado para o passado, tem
lapsos de memória e revela uma enorme falta de cultura. Não compreende a ironia
sarcástica de Ega. Representa a incompetência do poder político, principalmente
dos altos cargos.
Fala de um modo depreciativo das
mulheres.
Condessa de Gouvarinho
Caracterização Física
Cabelos crespos e ruivos, nariz
petulante, olhos escuros e brilhantes, elegante, pele clara, fina e doce; é casada
com o conde de Gouvarinho e filha de um comerciante do Porto.
Caracterização
Psicológica
É imoral e sem escrúpulos. Trai
o marido com Carlos, sem qualquer tipo de remorsos. Questões de dinheiro e a
mediocridade do conde fazem com que o casal se desentenda. Envolve-se com Carlos
e revela-se apaixonada e impetuosa. Carlos deixa-a e acaba por perceber que
é uma mulher sem qualquer interesse, demasiado fútil.
Dâmaso
Salcede
Caracterização Física
Baixo,
gordo, "frisado como um noivo de
província". É sobrinho de Guimarães. A ele e ao tio se devem,
respectivamente, o início e o fim dos amores de Carlos com Maria Eduarda.
Caracterização Psicológica
Dâmaso é uma súmula de
defeitos. Filho de um agiota, é presumido, cobarde e sem dignidade. É dele a carta
anónima enviada a Castro Gomes, que revela o envolvimento de Maria Eduarda com Carlos.
É dele também a notícia contra Carlos n' A Corneta do Diabo. Mesquinho
e convencido, provinciano e tacanho, tem uma única preocupação na vida, o "chic a valer".
Representa o novo-riquismo e os
vícios da Lisboa da segunda metade do séc. XIX. O seu carácter é tão baixo que
se retrata como um bêbado, só para evitar bater-se em duelo com
Carlos.
Guimarães
Caracterização Física
Usa largas barbas e um grande
chapéu de abas à moda de 1830.
Caracterização Psicológica
Conheceu Maria Monforte, que lhe confiou um cofre contendo documentos que identificam a
filha. Guimarães é, portanto, o mensageiro da trágica verdade que destruirá a felicidade
de Carlos e de Maria Eduarda.
Alencar
Caracterização Física
Tomás de Alencar era "muito alto, com uma face escaveirada, olhos
encovados, e sob o nariz aquilino, longos, espessos, românticos bigodes
grisalhos".
Caracterização Psicológica
Era calvo, em toda a sua pessoa
"havia alguma coisa de antiquado, de
artificial e de lúgubre". Simboliza o romantismo piegas.
Paladino da moral, é também o
companheiro e amigo de Pedro da Maia. Não tem defeitos e possui um coração
grande e generoso. É o poeta do ultra-romantismo.
Eça serve-se desta personagem
para construir discussões de Escola entre naturalistas e românticos, numa
versão caricatural da Questão Coimbrã.
Cruges
Caracterização Física
"De grenha crespa que lhe
ondulava até à gola do jaquetão", "olhinhos piscos" e nariz
espetado.
Caracterização Psicológica
Maestro e pianista patético, é
amigo de Carlos e íntimo do Ramalhete. Demasiado chegado à sua velha mãe, com quem vive é, segundo Eça, "um diabo adoidado,
maestro, pianista com uma pontinha de génio".
É desmotivado devido ao meio lisboeta
- "Se eu fizesse uma boa ópera, quem
é que ma representava?"…
.
Craft
É uma personagem com pouca
importância para o desenrolar da acção, mas que representa a formação
britânica, o protótipo do que deve ser um homem. Defende a arte pela arte, a
arte como idealização do que há de melhor na natureza.
É culto e forte, de hábitos
rígidos, "sentindo finamente, pensando
com rectidão", inglês rico e boémio, coleccionador de "bric-a-brac".
Eusebiozinho
Eusebiozinho representa a
educação retrógrada portuguesa.
Também conhecido por Silveirinha, é o primogénito de uma das Silveiras - senhoras ricas e beatas. Amigo de
infância de Carlos, brincava com ele em Santa Olávia levando pancada continuamente,
contrastando na educação. Cresceu cobarde, molengão, tristonho e corrupto.
Casou-se, mas enviuvou cedo.
Procurava, para se distrair,
bordéis ou aventureiras de ocasião pagas à hora.
Cohen
É o banqueiro corrupto e
incompetente, achando imensa graça ao facto do país estar em bancarrota.
Resolve os adultérios
constantes da esposa com enormes e regulares tareias
Acção
Em “Os Maias” podemos distinguir dois níveis
de acção: a crónica de costumes - acção aberta; e a intriga - acção fechada, que se divide em intriga principal e intriga
secundária.
São, aliás, estes dois níveis
de acção que justificam a existência de título e subtítulo nesta obra. O título
- Os Maias -
corresponde à intriga, enquanto que o subtítulo - Episódios da Vida Romântica - corresponde
à crónica de costumes.
Na intriga secundária temos: a
história de Afonso da Maia - época de reacção do Liberalismo ao Absolutismo; a
história de Pedro da Maia e Maria Monforte - época de instauração do
Liberalismo e consequentes contradições internas; a história da infância e juventude
de Carlos da Maia - época de decadência das experiências liberais.
Na intriga principal são retratados
os amores incestuosos de Carlos e Maria Eduarda, que terminam com a desagregação
da família - morte de Afonso e separação de Carlos e Maria Eduarda. Carlos é o protagonista
da intriga principal. Teve uma educação à inglesa e tirou o curso de medicina
em Coimbra. A educação de Maria Eduarda foi completamente diferente, donde se conclui
que a sua paixão não foi condicionada pela educação, nem pela hereditariedade,
nem pelo meio. A sua ligação amorosa foi comandada à distância por uma entidade
que se denomina destino.
A acção principal d' Os Maias desenvolve-se segundo os moldes
da tragédia clássica - peripécia, reconhecimento e catástrofe.
A peripécia verificou-se com o
encontro casual de Maria Eduarda com Guimarães, com as revelações casuais do
Guimarães a Ega sobre a identidade de Maria Eduarda e com as revelações a
Carlos e Afonso da Maia também sobre a identidade de Maria Eduarda.
O reconhecimento, trazido pelas
revelações de Guimarães, torna a relação entre Carlos e Maria Eduarda incestuosa,
provocando a catástrofe consumada pela morte do avô; a separação definitiva dos
dois amantes e as reflexões de Carlos e Ega.
O Espaço
Espaço Físico
Exteriores:
A maior parte da narrativa
passa-se em Portugal, mais concretamente em Lisboa e arredores.
Em Santa Olávia passa-se a infância
de Carlos. É também para lá que este foge quando descobre a sua relação
incestuosa com a irmã.
Em Coimbra passam-se os estudos
de Carlos e as suas primeiras aventuras amorosas.
É em Lisboa que se dão os acontecimentos
que levam Afonso da Maia ao exílio; é em Lisboa que sucedem os acontecimentos essenciais
da vida de Pedro da Maia; e é também na capital que decorre a vida de Carlos que
justifica o romance - a sua relação incestuosa com a irmã.
O estrangeiro surge-nos como um
recurso para resolver problemas. Afonso exila-se em Inglaterra para fugir à
intolerância Miguelista; Pedro e Maria vivem em Itália e em Paris devido à
recusa deste casamento pelo pai de Pedro; Maria Eduarda segue para Paris quando
descobre a sua relação incestuosa com Carlos; o próprio resolve a sua vida
falhada com a fixação definitiva em Paris.
Deve referir-se como importante
espaço exterior Sintra, palco de vários encontros, quer relativos à crónica de
costumes, quer à relação amorosa dos protagonistas.
Interiores:
Vários são os espaços
interiores referidos n' Os Maias:
No Ramalhete podemos encontrar:
o salão de convívio e de lazer, o escritório de Afonso, que tem o aspecto de
uma "severa câmara de prelado",
o quarto de Carlos, "com um ar de
quarto de bailarina" e os jardins.
A acção desenrola-se também na
vila Balzac, que reflecte a sensualidade de João da Ega. É referido também na
obra o luxuoso consultório de Carlos, que revela o seu diletantismo e a
predisposição para a sensualidade através da presença de um divã, "móvel de amor" na opinião de Ega.
A Toca é também um espaço
interior carregado de simbolismo, que revela amores ilícitos. São ainda referidos
outros espaços interiores de menor importância como o apartamento de Maria Eduarda,
o Teatro da Trindade, a casa dos condes de Gouvarinho, o Grémio, o Hotel
Central, os hotéis de Sintra, a redacção d' A Tarde e
d' A Corneta do Diabo,
etc.
Espaço Social
O espaço social comporta os ambientes
(jantares, chás, soirés, bailes, espectáculos), onde actuam as personagens que
o narrador julgou melhor representarem a sociedade por ele criticada – as classes
dirigentes, a alta aristocracia e a burguesia.
Destacamos o jantar do Hotel Central,
os jantares em casa dos Gouvarinho, Santa Olávia, a Toca, as corridas do
Hipódromo, as reuniões na redacção d' A
Tarde, o Sarau Literário no Teatro da Trindade -
ambientes fechados de preferência, por razões de elitismo.
O espaço social cumpre um papel
puramente crítico.
Espaço Psicológico
O espaço psicológico é constituído
pela consciência das personagens e manifesta-se em momentos de maior densidade
dramática. É sobretudo Carlos quem desvenda os labirintos da sua consciência,
ocupando também Ega um lugar de relevo.
Destacamos, como espaço psicológico,
o sonho de Carlos no qual evoca a figura de Maria Eduarda; nova evocação dela
em Sintra; reflexões de Carlos sobre o parentesco que o liga a Maria Eduarda; visão
do Ramalhete e do avô, após o incesto; contemplação de Afonso morto no jardim.
Quanto a Ega, reflexões e inquietações
após a descoberta da identidade de Maria Eduarda.
O espaço psicológico permite
definir estas personagens como personagens
modeladas.
Tempo
O romance não apresenta um
seguimento temporal linear mas, pelo contrário, uma estrutura complexa na qual
se integram tempo histórico, tempo do discurso e tempo psicológico.
Tempo Histórico
Entende-se por tempo histórico
aquele que se desdobra em dias, meses e anos vividos pelas personagens,
reflectindo até acontecimentos cronológicos históricos do país.
N' Os Maias, o tempo histórico é dominado
pelo encadeamento de três gerações de uma família, cujo último membro, Carlos,
se destaca relativamente aos outros. A fronteira cronológica situa-se entre
1820 e 1887, aproximadamente. Assim, o tempo concreto da intriga compreende
cerca de 70 anos.
Tempo do Discurso
Por tempo do discurso entende-se
aquele que se detecta no próprio texto organizado pelo narrador, ordenado ou
alterado logicamente, alargado ou resumido.
Na obra, o discurso inicia-se
no Outono de 1875, data em que Carlos, concluída a sua viagem de um ano pela
Europa após a formatura, veio com o avô instalar-se definitivamente em Lisboa.
Pelo processo de analepse, o narrador vai, até parte do capítulo IV, referir-se
aos antepassados do protagonista (juventude e exílio de Afonso da Maia,
educação, casamento e suicídio de Pedro da Maia, e à educação de Carlos da Maia
e sua formatura em Coimbra) para recuperar o presente da história que havia
referido nas primeiras linhas do livro.
Esta primeira parte pode considerar-se
uma novela introdutória, que dura quase 60 anos. A analepse ocupa apenas 90 páginas,
apresentada por meio de resumos e elipses. Assim, o tempo histórico é muito
mais longo do que o tempo do discurso. Do Outono de 1875 a Janeiro de 1877 -
data em que Carlos abandona o Ramalhete - existe uma tentativa para que o tempo
histórico (pouco mais de um ano da vida de Carlos) seja idêntico ao tempo do
discurso - cerca de 600 páginas. Para isso Eça serve-se muitas vezes da cena
dialogada. O último capítulo é uma elipse (salto no tempo) onde, passados 10
anos, Ega se encontra com Carlos em Lisboa.
Tempo Psicológico
O tempo psicológico é o tempo
que a personagem assume interiormente: é o tempo filtrado pelas suas vivências
subjectivas, muitas vezes carregado de densidade dramática. É o tempo que se alarga
ou se encurta conforme o seu estado de espírito.
No romance
é possível evidenciar alguns momentos de tempo psicológico nalgumas
personagens:
Pedro da Maia, na noite em que
se deu o desaparecimento de Maria Monforte e o comunica a seu pai; Carlos,
quando recorda o primeiro beijo que lhe deu a condessa de Gouvarinho ou, na
companhia de João da Ega, contempla, já no final de livro, após a sua chegada
de Paris, o velho Ramalhete abandonado e ambos recordam o passado com
nostalgia numa visão pessimista do Mundo e das coisas. É o caso de "agora
o seu dia estava findo: mas, passadas as longas horas, terminada a longa noite,
ele penetrava outra vez naquela sala de repes vermelhos...".
O tempo psicológico introduz a
subjectividade, o que põe em causa as leis do naturalismo.
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